Manifesto das Vilas em Rede
Nossos Princípios
6/22/20244 min read
...continuação Manifesto das Vilas em Rede
"Viver nada mais é do que se misturar à vida dos outros, ser penetrado pela vida dos outros"
Emanuele Coccia
A prioridade do cultivo diário da vida nas Vilas em Rede é o cuidado e a conexão com tudo e todos. Nada e nenhum fim justifica a destruição, o empobrecimento, a degradação, a contaminação, a poluição do entre-ambiente (que são todas as relações). Somos partes de uma rede dependente relacional que se sustenta pelas diferenças, enriquecida pelas múltiplas formas de vida que surgem na Terra. Sendo assim, como terranos, também reconhecemos a riqueza que é a qualidade da singularidade de cada existência. O modo que cada um elabora a vida através dos seus sentidos é singular e se diferencia em si mesmo. Tudo está em movimento e transformação. A fixação é tão nociva quanto a degradação, pois o que fixa, degrada. Sendo seres singulares e em transformação constante, nossa contenção não pode ser feita por conceitos fixos, por dogmas, por regras de longa duração; o que nos dá contenção são princípios que ampliam o campo de criação para que a singularidade, o movimento e a constante transformação em relação tenham o entre-ambiente propício para a vida. A vida é dada pela natureza, nossa atenção está em ampliar nossa capacidade de perceber a vida através de percepções aguçadas e muitas vezes pela simples lógica de causa e efeito. Cada integrante das Vilas em Rede tem seu tempo e espaço para observar, experimentar e experienciar a relação com a terra, as plantas, o espaço, o sol, o ar, a água e os animais, sempre em relação com todos e cada pessoa que será direta ou indiretamente afetada por seus atos; com atenção na dinâmica da relação público/privado. As emoções são públicas. Mesmo quando disfarçadas, são percebidas através da pele, dos olhos, da respiração, das reações musculares; já a elaboração das emoções, os sentimentos, são privados, acontecem em processos internos e íntimos. O equilíbrio do público/privado se dá através do fluxo daquilo que reconhecemos como dentro/fora. Somos seres de afetos, afetamos e somos afetados, e, ao elaborar as emoções que se revelam nas relações, ampliamos nossas perspectivas nos libertando da reatividade, que nos leva a reações polarizadas, que geram desconexões. Reconhecemos que o “fora” é a projeção que acontece através dos nossos sentidos, que podem estar livres ou obstruídos por ressentimentos. Uma mesma situação é percebida de modo diferente dependendo do estado emocional do afetado. Quanto mais desobstruídos os sentidos, mais elaborada e complexa poderá ser nossa percepção, e mais potente serão as relações. Entrar em contato com a diferença enriquece a experiência de todos os envolvidos; no campo da competição e comparação, a diferença é uma ameaça, no campo da colaboração e criação, a diferença amplia as perspectivas de todos. Em síntese, esse manifesto é a base de contenção para a experiência de viver em um entre-ambiente fraterno e a favor de todas as vidas, deslocando os interesses individuais para as necessidades primordiais da rede mantenedora da vida. As Vilas em Rede como ambientes de criação estão sempre abertas a experimentos e experiências que estejam de acordo com esse manifesto e que sejam sustentáveis diante de todas as perspectivas, assim como o entre-ambiente criado constantemente pelas Vilas em Rede reconhece que todo acontecimento é necessário e seu caminho é tornar-se desnecessário afirmando a lei primordial da natureza que é seu incessante movimento e transformação sustentado pelo contínuo da impermanência.
“Uma maneira de viver e morrer bem, como seres mortais, é unir forças para reconstituir refúgios, para tornar possível uma parcial e robusta recuperação e recomposição biológica-cultural-política-tecnológica, que deve incluir o luto por perdas irreversíveis.”
Donna Haraway
Não é o bastante saber o melhor enquanto se segue fazendo o pior. Não existe projeto ou lugar que resolverá esse incômodo. A mudança precisa acontecer em cada um de nós, a mudança do modo de pensar, sentir e agir, e assim nos tornarmos outro ser humano. As Vilas em Rede são lugares no tempo e espaço que permitem experienciar a vida a partir de perspectivas e valores diferentes dos que regem nosso sistema capitalista e sociedade finalista em que vivemos. São perspectivas diferentes porém lógicas e compreensivas, fáceis de serem aceitas e difíceis de serem realizadas, pois somos dominados por crenças, padrões e hábitos que nos fazem reagir de acordo com o modo habitual apesar do acesso ao conhecimento de outras perspectivas. Sabemos muitas coisas novas e seguimos reagindo com a mente antiga. E não faremos nada novo com o velho modo de pensar. O convite das Vilas em Rede é para ampliarmos a percepção de que toda vida é autopoiética, por isso nada mais importante do que cultivarmos o entre- ambiente que nos sustenta. Não somos criadores da vida na Terra nem devemos ser exploradores dela. Precisamos deixar a ideia e prática do antropocentrismo, deslocando o ser humano do centro da vida, e parar de acreditar que o mundo é feito para sua exploração. As Vilas em Rede são laboratórios para experienciar a vida regida pela perspectiva da consciência de que a vida acontece em rede, e é criada em ato. Que somos seres da atmosfera, pois estamos inseridos no elemento ar, fora e dentro de nós, e por isso só podemos viver com qualidade ao lado da vida vegetal que nos alimenta com a produção de oxigênio.
“...São as plantas que fazem da matéria e do espaço que nos rodeiam, um mundo, que reorganizam e rearranjam a realidade tornando-a um lugar habitável e vivível. O mundo, deste ponto de vista, é antes de tudo uma realidade vegetal… no fundo, nunca saímos do paraíso, nunca abandonamos o jardim originário. Nunca poderemos deixá-lo. Estar no mundo significa estar condenado a habitar o Éden. Estar no mundo significa para nós, humanos, estarmos condenados a nos nutrir do que a vida vegetal soube fazer do sol e do solo, da água e do ar que compõe nosso mundo”
Emanuele Coccia
Nas Vilas em Rede plantamos, colhemos, cultivamos, nos tornarmos artistas, fazendo de cada vida em relação a própria obra de arte.

